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Sócrates, o professor da Grécia

Em Atenas, no século V a.C., Sócrates revolucionou os ensinamentos filosóficos e atraiu um pequeno, mas seleto grupo de discípulos, com quem praticou um novo método de argumentação baseado no diálogo 

José Solana Dueso  

Não há dúvida de que Sócrates foi um filósofo singular. Alguns de seus discípulos o apresentam como um cara estranho, o que no grego da época era chamado de átomos, e narram episódios curiosos de sua vida que sublinham sua originalidade. Dizia-se, por exemplo, que durante uma campanha militar ele ficava no mesmo lugar desde o amanhecer meditando sobre algo que o perturbava, e assim continuou de pé até o amanhecer do dia seguinte. “Então, depois de orar ao sol, ele deixou o lugar e saiu”, relata Platão em O Banquete. 

Do ponto de vista de um leitor moderno, a principal estranheza de Sócrates é que ele é um filósofo de quem não temos escritos, e não porque eles tenham sido perdidos, mas por causa de uma decisão deliberada de alguém que preferiu o calor da palavra falada, o diálogo, ao exercício frio da escrita. Felizmente, sua intensa e prolongada atividade docente deixou uma marca tão profunda em seus discípulos que alguns deles, especialmente Platão e Xenofonte, escreveram extensos relatos de memórias ou reproduções das aulas e diálogos com o mestre. 

Nascido em 469 a.C., Sócrates atingiu sua maturidade intelectual em um momento em que uma corrente filosófica particular estava triunfando em Atenas: o movimento sofístico. Sócrates era cerca de vinte anos mais novo que Protágoras, a grande figura dos sofistas, e definiu seu próprio pensamento no constante debate com as teses dos sofistas, a quem criticou duramente por suas ideias políticas e morais e, também, pela maneira como procuravam tornar seus ensinamentos economicamente lucrativos. Apesar disso, os contemporâneos, às vezes, confundiam Sócrates com seus rivais. O primeiro documento que o apresenta como educador é uma comédia de Aristófanes, As Nuvens, encenada em 423 a.C., na qual Sócrates aparece como um sofista dedicado a ensinar retórica e enriquecer às custas dos jovens atenienses. 

Sócrates, a parteira 

As diferenças entre Sócrates e os sofistas eram notáveis, começando com os métodos de ensino. Os sofistas se dedicavam a ensinar ensinamentos específicos que deveriam ser de uso prático para os alunos, como a arte da oratória na Atenas democrática, onde o sucesso na política dependia de intervenções antes da assembleia do povo ou nos tribunais. Sócrates, por outro lado, procurou estimular o espírito de seus discípulos. Ele não agia como um professor típico, que inocula novos conhecimentos para seu aluno. Seu método era a maiêutica, termo que vem da palavra grega mayeuta, parteira (que era a profissão de sua mãe). Assim como uma parteira ajuda no parto, Sócrates ajudou o discípulo a trazer à tona as ideias que guardava dentro de si, a analisá-las e saber se eram valiosas e mereciam se debruçar sobre elas ou se eram falsidades que deveriam ser descartadas. 

Por isso, em contraste com as palestras ou discursos que os sofistas dirigiam a um grande público, Sócrates preferia o diálogo em pequenos grupos de discípulos. Incapaz de construir aqueles longos discursos que os oradores derramam sobre os ouvintes, sua especialidade era o breve discurso de perguntas e respostas em um diálogo entre dois. No entanto, para Sócrates, o diálogo não é uma conversa qualquer, mas deve atender a certos requisitos. O diálogo é, antes de tudo, uma forma de raciocínio, que inclui o acordo entre Sócrates e seu interlocutor. Os novos acordos alcançados no diálogo devem ser coerentes com os alcançados anteriormente e os que são incompatíveis são descartados, como mostra este fragmento de Górgias, escrito por Platão, discípulo de Sócrates, onde é recriado um diálogo entre este último e o sofista Górgias de Leoninos: 

Sócrates — Aquele que aprendeu a construir é um construtor, não é?
Górgias: Sim.
Sócrates — Aquele que aprendeu música é músico?
Górgias: Sim, é.
Sócrates — E aquele que aprendeu medicina é médico? E, na mesma relação, as outras artes, de modo que aquele que aprende uma delas adquira a qualidade que seu conhecimento lhe dá?
Górgias: Com certeza.
Sócrates — De acordo com o mesmo raciocínio, não é só quem sabe o que é certo?
Górgias: Sem dúvida.
Sócrates — E os justos agem com justiça.
Górgias: Sim. 

 Além do uso do diálogo, a seleção dos alunos foi uma segunda característica que distinguiu Sócrates dos sofistas. Eles chegavam a uma cidade e apresentavam ao público o programa do curso que ofereciam e o valor da mensalidade, que variava de acordo com o prestígio de cada professor. Dizia-se que alguns sofistas obtinham grandes somas de dinheiro por sua atividade. Sócrates, por outro lado, recusou-se a colocar um preço em seus ensinamentos, mas nem por isso alguém poderia assistir às suas aulas, mas se reservou o direito de admitir ou rejeitar um candidato. Às vezes, era o gênio divino que o ajudava (uma voz que geralmente o aconselhava a não realizar uma determinada ação) que o proibia de oferecer sua ajuda a jovens que não tinham nada de valioso dentro de si. 

Sócrates coincidiu com os sofistas em seu interesse por questões políticas e morais, deixando em segundo plano tudo relacionado às ciências naturais, objeto de estudo preferido dos filósofos anteriores, que conhecemos pelo nome de “pré-socráticos”. 

(R)evolução Intelectual 

No caso de Sócrates, isso foi o resultado de sua própria evolução intelectual. De acordo com um diálogo de Platão, Fédon, em sua juventude, Sócrates foi atraído pelas ideias de Anaxágoras, um filósofo que vivia em Atenas e conselheiro de Péricles, o líder da democracia ateniense, que argumentava que a ordem cósmica era, em última análise, baseada em uma entidade abstrata que ele chamou de “mente” (nous). Sócrates declarou-se um seguidor entusiasta de Anaxágoras até perceber que a “mente” de Anaxágoras não era muito mais do que um nome vazio que não intervinha de forma alguma no futuro do cosmos. 

Desapontado, Sócrates descartou o estudo da Natureza para se dedicar ao estudo das coisas humanas, especialmente ao fim supremo de toda ação humana: o bem. Ele concluiu que a alma, e não tanto o corpo, constitui a realidade primordial do homem. Por conseguinte, encorajou os seus discípulos a preocuparem-se com os bens da alma. E da alma humana, Sócrates saltou para a alma do Todo, identificada com a divindade responsável pela ordem cósmica, que organizou o universo a serviço do ser humano. Se essa divindade se preocupa com outros seres (ovelhas ou vacas, burros ou cavalos) é porque eles servem a propósitos humanos. 

O objetivo de Sócrates 

O homem, então, estava no centro da filosofia de Sócrates, bem como na do sofista Protágoras, autor da famosa máxima “o homem é a medida de todas as coisas”. Mas Sócrates tinha uma visão oposta à dos sofistas em questões éticas e políticas. Segundo Sócrates, assim como uma técnica – como a do médico ou músico mencionados em Górgias – requer conhecimentos específicos para os quais nem todos são treinados, também as questões políticas e morais devem ser resolvidas por especialistas na área. Consequentemente, ele considerou que o governo deve ser exercido por sábios especialistas em questões relacionadas ao bem, à justiça e às virtudes morais. 

Daí derivou uma dura crítica ao sistema democrático vigente na Atenas de seu tempo, que aos seus olhos era uma forma injusta de governo porque consistia em colocar nas mãos da maioria ignorante as questões mais vitais e transcendentes que só os especialistas poderiam resolver. Anos depois, Platão desenvolveu essa teoria em sua obra A República, onde justificou o governo dos filósofos como uma alternativa ao desgoverno das cidades de sua época e, em particular, ao governo que se baseia nas decisões da maioria. 

Esses três aspectos fundamentais: o lugar central do homem na visão do mundo, o método de pesquisa baseado no diálogo e o elogio do governo formado por especialistas fazem parte da “virada socrática”, a mudança radical que Sócrates imprimiu na história da filosofia. 


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