(In)Formação

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Zé da Fonte

Licínia Quitério 

Chamavam-lhe Zé da Fonte. Todos os dias, mal o sol acordava, ia até à nascente modesta, escondida por entre pedras gastas e ramadas pendentes. Ajoelhava-se e lavava os olhos, longamente, com as mãos inundadas pela água fria das manhãs. Punha-se de pé, tirava do saco atada à cintura um naco de pão escuro que mastigava devagar, muito devagar, sempre de olhos fechados. As costas abauladas, o saco a oscilar, as pernas a ensaiarem uma dança que só o Zé sabia. Quando parava de comer, de dançar, abria os olhos para o céu, para a água. Dizia baixinho:  

– Até amanhã, Mãe! 

Ninguém lhe conhecia família. Não se poderia dizer que idade tinha. Caminhava aos saltinhos, tal qual o rio a correr em leito pedregoso. Havia quem o temesse, quem dele se afastasse. Havia quem por ele se sentisse uma ternura, uma vontade de lhe pegar na mão, de o perceber. 

Por uns dias ninguém o viu. Procuraram em redor da fonte. Nem rasto do Zé da Fonte. 

Foi quando um corpo apareceu a boiar no ponto em que o ribeiro que nascia da fonte se casava com outro ribeiro nascido de outra fonte que as pessoas exclamavam, com curiosidade, sem pesar: 

– Coitado do Zé da Fonte. Como foi que isso sucedeu? 

Só a Rosa Maria, que também caminhava aos saltinhos e tinha olhos cor de musgo, explicou, na sua voz murmurante: 

– Voltou a ser água. Um homem tem de cumprir o seu destino. 


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