(In)Formação

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A bruxa desalmada e o seu enorme coração

Tiago Miguel Marinho 

Canta uma Aleluia pra mim?”. A bruxa Isaltina pediu pro garoto que passava na frente da casa dela. 

Como sempre, estava brava, mal-humorada, casmurra. Ele parou sem dizer nada e ela ficou desconfiada, muito insegura. Resolveu então varrer um pouco o chão com sua vassoura mágica que era toda pintada de preto. Olhou bem nos olhos do menino só pra fazer tipo e insistiu: 

Só uma Aleluia, vai, garoto?”. 

Ele continuou mudo, muito pensativo. 

Mais brava ainda e mais insegura, ela ajeitou seu chapéu pontudo e preto, coçou as duas verrugas do nariz, procurou sua coruja de estimação que não tinha nome e vivia escondida. 

Que coruja mais amiga-da-onça que nunca aparece” – a bruxa pensou magoada. 

Fez mais uma tentativa: 

Vai cantar ou não vai, ô garoto? 

Eu não sei cantar, dona!” – ele respondeu com uma voz fininha, mas não fugiu dela como todo mundo fugia. 

O garoto não mostrava o menor medo da bruxa e isso era estranho, muito esquisito mesmo. Afinal de contas, a bruxa Isaltina era uma bruxa malvada, rancorosa, muito sozinha. Tinha mania de pedir essa tal de Aleluia para quem passasse pela rua e todo mundo corria. E, quanto mais as pessoas fugiam, mais ela fazia malvadeza pra ocupar a solidão do dia: punha sacos de sal no feijão das cozinheiras, carregava uns sapinhos verdes na bolsa para atirar em cima dos outros, adorava queimar ou manchar os vestidos das noivas, de preferência de preto. 

A bruxa Isaltina gostava de tudo preto, porque era uma coisa maior do que ela, uma coisa que vinha lá de dentro: o seu estilo. Daí que a cada dela era preta, pretíssima. E o seu vestido de festa era de renda negra como ébano. As louças, o tapete da sala, os móveis eram pretos também. Até as margaridas de plásticos que ficavam num vaso de porcelana preta tinham as pétalas pretíssimas, o miolo mais que preto e o talo tão escuro que até escurecia a luz. 

Acontece que os vizinhos tinham pavor daquela negrura toda e queriam mais era fugir da bruxa Isaltina, ficar longe da sua escuridão. Ela ficava com tanto ódio disso que até sentia que seu coração aumentava e, se pudesse, pintava ele de preto também. Como não dava, ela montava na vassoura e saía espalhando outras maldades por aí. No dia em que encontrou o garoto, tinha enchido as nuvens de fumaça preta para chover na festa de aniversário de uma menina que não quis cantar Aleluia nenhuma para ela. 

Não sabe cantar essa música, garoto? Aleluia a gente já nasce sabendo!” – ela resmungava e varria o chão com violência. 

“Então por que a senhora não me ensina?” – o garoto pediu olhando bem nos olhos dela e com a voz mais forte. 

“Ah! Eu é que pedi primeiro” – ela disfarçou querendo demais que a coruja aparecesse. 

“Canta para mim, dona, é só uma Aleluia mesmo” – ele rogou pegando a mão direita dela que também tinha unhas pintadas de preto. 

Ela recuou, ficou enroscando uma pulseirinha cheia de caveiras, viu o rosto da coruja escondido atrás da cortina preta da sala e soltou a voz. 

“Aleluia, aleluia, aleeeluuiiiaaa…” 

O garoto ficou ouvindo, gostando e, por pouco, não chorou sentindo uma alegria maior do que andar de bicicleta na lua que era o seu grande sonho. Chegou perto da bruxa e beijou as duas verrugas dela na mais completa distração, o garoto era muito distraído. 

Ele saiu correndo e ela foi sentindo o coração batendo forte, um arco-íris crescendo no peito e uma vontade enorme de voar. Voou. 

Se a bruxa Isaltina parou de fazer maldade, ninguém sabe e nem dá pra saber. Bruxa é bruxa. E depois ela não para em casa, está sempre voando na sua vassoura. O que todo mundo tem certeza é que, de vez em quando, o voo dela desenha um arco-íris com todas as cores, ela canta baixinho uma Aleluia e a gente vê uma faixa preta soltando vaga-lumes nas noites sem estrelas e escuras como breu. Entendeu? 

 

FONTE: enviado por e-mail

 


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