Fenômeno é descrito após consumo excessivo de conteúdos efêmeros nas redes sociais
Claudia Rocha
A velha conhecida sensação de falta de concentração e um cansaço crônico, sintomas apontados como comuns entre os usuários hiperconectados de redes sociais, ganharam um novo aliado: o brain rot. Eleita a palavra do ano de 2024 pela equipe do Oxford English Dictionary, a expressão “brain rot” teve mais de 37 mil votos do público ao redor do mundo e é utilizada principalmente pelas gerações Z (jovens nascidos entre 1995 e 2010) e Alpha (os adolescentes).
O termo tenta traduzir uma sensação que vai além daquele sentimento conhecido de vazio após a rolagem do feed com fotos e vídeos das viagens e jantares de conhecidos, conteúdos comuns em redes como o Instagram. O brain rot trata de um suposto “apodrecimento do cérebro” pelo uso excessivo de conteúdos considerados banais ou fúteis como, por exemplo, memes, dancinhas de influenciadores, receitas rápidas de aperitivos ou reviews de produtos, dando a entender que há uma deterioração mental ou intelectual após as horas gastas nessa rolagem infinita das redes, principalmente do Tik Tok.
De acordo com o Relatório Digital 2024, publicado pelas agências We Are Social e Meltwater, o brasileiro passa em média 9 horas e 13 minutos conectado à internet, sendo o total de 5 horas dedicadas ao uso em redes sociais nos smartphones. O país apresenta a segunda média no ranking global, perdendo somente por alguns minutos para a África do Sul, com 9 horas e 24 minutos.
Doutor em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo e membro do Instituto Vox de Pesquisa e Psicanálise, Cláudio Akimoto é um dos autores, com Leonardo Goldberg, do livro “O sujeito na Era Digital” (Edições 70). O psicanalista lembra que não é incomum o fato de que as novidades tecnológicas despertem mudanças de comportamento, mas aponta ser importante ponderar que as redes sociais utilizam gatilhos emocionais.
“O algoritmo devora os nossos dados para saber como é que ele fisga a gente. O conteúdo não pode ser algo que faz a pessoa pensar, ele precisa apelar para o lado emocional. Os algoritmos aprenderam a disparar nossos gatilhos emocionais. As empresas de tecnologia aprenderam muito bem que, para prender alguém, isso acontece por medo, raiva, nojo, coisas bonitinhas. O emocional extremo captura”, diz Akimoto.
Jovens menos expansivos
De acordo com levantamento da UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, em 2021, cerca de 33% dos adolescentes utilizam as redes de maneira considerada problemática.
Com foco em atendimentos ao público jovem, Cláudio Akimoto comenta os principais sintomas do uso excessivo de conteúdos aleatórios, além dos jogos online: “as principais queixas são perda de foco, dificuldade de concentração, dificuldade para dormir, problemas com a interação social como falar em público e uma preocupação constante, um medo constante – medo do futuro, medo de que o mundo vai acabar – e um sentimento forte de desesperança”, aponta.
O psicanalista explica que “isso é um diferencial porque outras gerações de adolescentes tinham uma revolta mais ativa, mais explosiva, hoje vemos os jovens ‘explodindo para dentro’, mais apagados, parece que eles estão sumindo, é uma revolta voltada para dentro, isso é difícil de manejar”, afirma Akimoto.
Os efeitos no cérebro
Segundo Aderbal Vieira Júnior, médico coordenador do Proad, o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, da Unifesp, ainda não há indícios científicos que apontem para um resultado de demência ou dano cerebral relacionado ao uso dos dispositivos. “O que acontece é um processo que podemos chamar de ‘emburrecimento’, estamos alimentando nosso cérebro com isopor”, na opinião do psiquiatra.
“Nossa experiência com a internet tornou a interação muito imediatista e superficial, fomos nos acostumando com essa nova linguagem, mas isso não se traduz em algum tipo de dano cerebral. O maquinário, o hardware do cérebro, continua bom, mas provavelmente o software que está rodando é muito ruim, cada vez mais empobrecido, é como se tivéssemos uma máquina potente que usamos para jogar tetris”, explica Aderbal Vieira Júnior.
Especialista no comportamento de vícios, o professor do Departamento de Psiquiatria da Unifesp destaca que, conforme a internet foi se popularizando, havia como critério de dependência o componente do uso excessivo, mas que agora a tendência é entender melhor quais são os tipos de uso da ferramenta, já que o mais comum é que as pessoas estejam conectadas permanentemente, desde o momento em que acordam até a hora de dormir.
“Existe o dependente aplicado, aquele que vai em busca de elementos que viciam, como é o caso dos jogos; e hoje em dia, estamos falando daqueles do Tigrinho”, diz o médico.
Aderbal Vieira Júnior comenta sobre o processo de rompimento de um vício. “Tratando dependência há muitos anos percebo que as pessoas entendem que o maior desafio é fazer a pessoa parar de usar, esse primeiro corte, seja de redes sociais, jogos ou algum tipo de droga, mas a verdade é que a natureza abomina o vácuo, o pulo do gato está aí, no que fazer depois para preencher esse campo, promover a abstinência não é a parte mais difícil”
FONTE: ROCHA, Claudia. Brain rot: o que explica o emburrecimento do nosso cérebro? Revista Focus Brasil, São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 21 de janeiro de 2025, n° 174, pp. 16-17. (Brasil)
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