Carol Rache 

Nunca acreditei nessa maquiagem que inventaram para inveja. A tal da “inveja branca”, para mim, sempre soou como uma tentativa de tornar mais nobre uma emoção que todos nós já sentimos, mas que uma minoria consegue admitir.  

Inveja é inveja. Pronto. É aquela sensação de olhar para o que o outro tem e sentir um desconforto por desejar ter algo igual. A diferença da inveja para a admiração é justamente o incômodo de se perceber distante de uma conquista que alguém já fez e que é também desejada por nós. A inveja é a admiração com uma pitada de desconforto. Uma minoria admite, mas todo mundo já sentiu. 

O que muda, de uma pessoa para outra, é a forma de digerir essa emoção. Enquanto uns mergulham na vibração baixa da inveja e sentem que a única forma de mandar o desconforto embora é torcer para o fracasso do outro, outros usam a inveja como trampolim para alcançar possibilidades até então inexploradas.  

Uns desejam o que outro tropece e deixe de possuir. Outros correm na tentativa de também conquistar. 

A verdade é que só invejamos aquilo que é importante para nós. Admiramos muitas coisas, sem invejar. Provavelmente porque são mesmo dignas de apreciação, mas não vêm temperadas de incômodo porque talvez sejam conquistas que já possuímos ou que simplesmente não nos interessam 

Se alguém tem algo que consideramos importante, mas que também possuímos o desconforto não vem. Se eu admiro a liberdade do outro sem me incomodar, é porque provavelmente já me fiz livre. Se aplaudo as conquistas materiais de alguém sem hesitar, é porque provavelmente estou em dia com os meus próprios desejos. Se vibro com a harmonia dos relacionamentos alheios sem sentir nem uma pontinha de inveja, é porque sei que já sou capaz de construir a mesma harmonia nos meus. 

E existem várias conquistas admiráveis que simplesmente passam despercebidas aos nossos olhos, certo? Aquilo que nos prende certamente o faz porque encontra ressonância nos nossos desejos internos. Não invejamos ou admiramos nada que não consideramos valioso. 

Mas como evitar o tempero amargo que faz a admiração ter o sabor desconfortável da inveja? 

O desconforto que transforma a admiração em inveja vem da frustração de perceber que não estamos usando nosso potencial para construir algo importante para nós. As conquistas alheias se tornam sinalizadores da nossa própria inercia, e, nesse sentido, a inveja pode funcionar como um alerta que sinaliza a necessidade de movimento. 

Quem aprende a usar a inveja para desenvolver competências adormecidas acaba ressignificando essa emoção e usando para o próprio crescimento. Quem escolhe ficar estagnado por falta de disponibilidade de se mover acaba se tornando frustrado e amargo, porque precisa desejar que o outro não seja bem-sucedido (em qualquer aspecto) para evitar perceber a própria estagnação. 

Aos que usam a inveja como estímulo para se mover, é importante ressaltar que o caminho escolhido para alcançar aquilo que nos desperta desejo não precisa se idêntico ao do outro. Aliás, nem deve. A conquista alheia tem particularidade da autenticidade do outro e, se optarmos, por simplesmente copiar o caminho, nos frustraremos. 

Sempre seremos uma péssima cópia de alguém e uma versão exclusiva de nós mesmos. E se o papel do outro é espelhar aquilo que é relevante e importante para nós, o nosso é descobrir como vamos traçar nossa própria estrada para conquistar nossos anseios. 

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FONTE: RACHE, Carol. O lado positivo da inveja. In. Jornal O Tempo. Belo Horizonte: Sempre Editora, 14/08/2020, ano 24, n. 8644, pág. 19. (Filosofadas) 

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