Amizade

Antonio Mixinge 

Os amigos nunca são muitos: os mais afortunados contam-nos com os dedos das mãos. Não duvido de que haja quem os tenha às centenas como o Facebook gosta de fazer-nos crer, mas, nem que for somente um, sempre nos compraz. Já houve um tempo em que pessoas há que pensavam que não poderiam ser amigos de alguém de um gênero, de uma religião, de um partido político ou de uma idade diferente da sua. A amizade não tem rigorosamente nada a ver com qualquer tipo de diferença e, muitas vezes, são, precisamente, essas diferenças que mais lhe fortalecem: ela é um pacto de lealdade, uma escolha de camaradagem e um compromisso irrenunciável. 

Falamos regularmente com alguns dos nossos amigos, outros há que parecem desaparecidos ou esquecidos, mas, de repente, voltam e com um simples telefonema, ao recordarmos um acontecimento do passado, ao sentirmos um cheiro ou ao comermos qualquer coisa que nos transporte à um dado momento partilhado, eles reaparecem instantaneamente para exigirem o lugar que sempre ocuparam: até aqueles que julgamos que tinham sido irrelevantes se esse não for realmente o caso, eles estarão sempre aí, para o que der e para o que vier. 

As pessoas com quem coincidimos na adolescência, no começo da vida adulta ou em qualquer etapa das nossas vidas e com elas, pelas razões mais insuspeitas, espontâneas e naturais criamos e desenvolvemos relações de amizade e (quase) familiaridade têm um papel determinante nas nossas escolhas ou nas nossas desistências posteriores: ao longo da minha vida tive sempre a sorte de ter, em todos os momentos, bons amigos e hoje posso dizer que, afortunadamente, a maior parte deles lerão esta crônica. 

Para além do carácter, da origem ou da classe e do status social e econômico que permite que, a um dado momento, as pessoas coincidam na escola, na igreja, no mesmo círculo de amigos, na arte, no desporto e, em geral, na vida, a afinidade na forma de estar e de pensar, a semelhança dos focos de interesse e os Hobbies ajudam a criar laços de amizade muito fortes, esse que eu intuo nos adultos, não importa de que sexo que, num gesto autêntico, muitas vezes vejo de mãos dadas, pelas ruas da cidade. 

Os amigos nunca são muitos: são, simplesmente, os necessários. Sempre os preferi ousados, revolucionários e transgressores, mas sossegados, com a energia contida, resistentes e inabaláveis. Tão fortes foram os primeiros laços do passado que deu a origem a nossa amizade, – tanto faz se começou por que vivíamos na mesma rua, se foi com uma discussão aparentemente banal, com a leitura de um livro, com um encontro casual numa sala de aulas ou até se começou com o inesperado conselho para afeitar os pelos das axilas -, o importante é que ela resista a tudo. 

Tão fortes são os laços que a amizade pode ajudar a tecer que, mesmo que, depois, na vida cada um escolha o seu próprio caminho, resta qualquer coisa que, na verdade, une para sempre: quando voltamos a reencontrar-nos com estas pessoas, com outro aspecto físico, com outras vivências nos olhos e com uma nova inteligência na fala ou com um raciocínio de fracassado, apesar das inúmeras mudanças, amiúde, no essencial, elas continuam a ser as mesmas. 

Os amigos nunca são muitos: dedique-lhes tempo, se possível mais tempo do que dedicas aos amigos virtuais. Entre outras coisas, porque houve um tempo em que as amizades virtuais não existiam. O pior que nos pode acontecer é que confundamos a amizade com uma relação tóxica, interesseira, oportunista e banal. 

O melhor que nos pode acontecer é termos um amigo revolucionário, irreverente e inconformado. Não há maior prazer do que termos amigos que pensem fora da caixa: eles são o nosso maior consolo e fortuna. Os amigos nunca são muitos: tenham os que puderem, dediquem-lhes tempo, desfrutem com eles e, se possível for, com eles ajudem a melhorar aquelas pequenas coisas que dão sentido às vossas vidas. 

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FONTE: MIXINGE, Antonio. Elogio da Amizade. In. Jornal de AngolaLuanda: Edições Novembro, ano 44, n. 15967, 21/04/2020, pág. 11. (Na Alva das Ideias) 

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